Desarranjo, bagunça, prejuízos materiais, aborrecimentos e inocentes
prejudicados, mas, dos males, o menor. Estamos em guerra, mas pasmem:
dos males, o menor. Já fui delegado de polícia e defensor público no
Estado do Rio em tempos em que a criminalidade agia sem contraposição
estatal. Imperava um clima de tolerância e promiscuidade entre os
traficantes e Estado (governo e polícia), quase uma fraternidade. Nesse
tempo, os traficantes aprenderam a ficar abusados e a temer mais as
facções rivais do que a polícia. E os meninos fitavam os traficantes
como heróis a serem imitados.
Em uma sequência de modificações onde a ação do Bope e as UPPs
tiveram forte significância, a decisão do Estado de enfrentar a
criminalidade iria desaguar na Guerra do Rio, exatamente esta que
transcorre no momento. Se perenes e acompanhadas de sucesso, as UPPs e a
nova postura forçariam (finalmente) uma reação daqueles que se
acostumaram a ditar as regras. O anúncio de que os diferentes comandos
criminosos se uniram era de se esperar e, pasmem, dos males o menor: foi
motivo de uma íntima comemoração de minha parte. Como oficial de
infantaria da reserva do Exército, sei que é mais fácil vencer uma
guerra onde se sabe quem é quem. Só se une quem finalmente se sente em
risco. Una-se o Rio, portanto, para enfrentar a nova união dos
traficantes.
Finalmente, é hora de cada um escolher seu lado. Os policiais e
políticos "arreglados" pelas fortunas do tráfico finalmente terão que
tomar uma única posição nesse tabuleiro. Por mais pavor que transmitam
os carros incendiados e o pânico fazem parte de um processo onde os
traficantes aprenderão a não desafiar o poder público, onde os oficiais
de Justiça voltarão a fazer intimações nas favelas e a segurança pública
passe a não ser mera utopia.
Claro que há uma série de cuidados, direitos e garantias a serem
respeitados. Não é disso que estamos falando, isso é o óbvio em um
estado democrático de direito. Estamos falando que por mais triste que
seja ainda é melhor que em lugar do antigo compadrio e inércia esteja
ocorrendo a Guerra do Rio, uma guerra tantas vezes adiada na qual se
definirá, afinal, quem é que manda nesta cidade. Não existem guerras
simpáticas, nem guerras sem danos colaterais, mas, repito: dos males, o
menor. Ao menos existem guerras que devem ser guerreadas.
Nenhum processo de limpeza, seja de uma infecção ou uma cidade, e
nenhum processo de construção, seja de uma casa ou de uma cultura,
ocorre sem custos, mas nenhum custo é maior do que abrir mão da limpeza e
da construção quando necessárias.
A guerra irá continuar por mais um tempo, é certo. Os traficantes
irão seguir para outros locais, depois outras cidades. O Estado não
poderá esmorecer tão cedo. Mas a cada dia os mercados para o crime atuar
serão menores, a ousadia abusada terá sua cerviz partida e os meninos
não olharão mais para os traficantes como modelo de sucesso e paradigmas
a serem copiados.
Vai demorar, vai doer, mas dos males o menor: que essa guerra, mesmo
que longa, defina quem são os donos da cidade. Que o povo vença, afinal,
por intermédio de seus servidores públicos e representantes.
William Douglas é juiz federal e professor universitário.
Muito bom o blog.
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